Herança é todo bem passado de uma pessoa — em decorrência da sua morte — a seus herdeiros legítimos ou a quem foi beneficiado em disposição testamentária para receber um legado, caracterizando o direito de sucessão. Contudo, é válido ressaltar que não se enquadra apenas na questão patrimonial, sendo um conjunto de bens, direitos e obrigações.

Nesse contexto, a herança digital se enquadra na transmissão dos bens digitais, com valor econômico e sentimental, em que o patrimônio considerado são contas virtuais, materiais, conteúdos, acessos e visualizações de meios digitais. Considerados pela doutrina como “bens incorpóreos”, ou seja, bens abstratos que não possuem existência física concreta.

Logo, com o falecimento do titular desses bens digitais, surgem diversas dúvidas quanto ao destino das informações e do patrimônio em si, tanto por representarem um valor afetivo do ente falecido, quanto por muitas vezes expressarem um valor econômico.

No Brasil ainda não existe uma legislação que regulamenta os bens digitais e a herança digital mesmo com o crescente avanço da internet e dos bens digitais, foram propostos ao longo dos anos alguns Projetos de Lei (ex: PL 4.099/2012, PL 7.742/2017 e 8.562/2017) que tiveram como objetivo inserir disposições sobre herança digital na legislação brasileira. Porém, todos os PL´s citados foram arquivados, permanecendo a herança digital à margem da omissão legislativa.

Enquanto essa previsão legal específica não se concretiza, a alternativa é utilizar as regras gerais sobre herança previstas no Código Civil Brasileiro, sustentando-se, ainda, nos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema. Sendo assim, vale ressaltar que a herança digital sentimental não costuma ser transmitida aos herdeiros por uma questão de privacidade, visto que o Direito Brasileiro possui uma lacuna em relação às leis específicas que regulamentam a questão da herança digital. Sendo necessário a apresentação de um testamento para viabilizar tal acesso, o que não costuma ser uma prática comum além de custosa e desconhecida por muitos brasileiros.

Ademais, é imprescindível compreender quando o falecido é um autor protegido pelos Direitos Autorais, sendo o seu foco a proteção do autor e de sua obra contra violações garantida por 70 anos após sua morte

Contudo, pode haver problema quanto ao direito de sucessão que está atrelado ao direito autoral, já que a sucessão pode estender os prazos de proteção de forma indeterminada o que pode se tornar em um abuso da exclusividade autoral.

Logo, caso não haja limites dessa situação, os interesses da sociedade e o processo criativo de outros autores podem ser prejudicados. Nesse sentido, é possível distinguir dois tipos de herdeiros, o participante que já era próximo da gestão dos direitos autorais do falecido e o herdeiro não participante, aquele que não conhece muito sobre a obra e não participou de alguma fase de criação podendo ser o que mais visa o lucro, logo mais propenso a cometer abusos. Por conta disso é interessante refletir sobre a criação de um órgão de fiscalização, consulta e assistência de direitos autorais que regule essa situação, como a Fundação Oscar Niemeyer.

Portanto, planejar e executar da maneira correta a destinação do patrimônio digital pode prevenir muitos litígios e aborrecimentos em relação àqueles que irão receber e administrar os bens digitais deixados pelo autor da herança. Sendo o testamento a maneira de garantir a destinação correta da herança digital, visto que é a forma prevista em lei para instituir as disposições de última vontade, quer de cunho patrimonial, quer de cunho não patrimonial, sendo uma das maneiras de ocorrer a sucessão hereditária, como falado anteriormente.

Com as disposições testamentárias, o titular dos bens digitais tem a oportunidade de especificar o seu desejo em relação ao seu patrimônio digital após a sua morte, por exemplo:

Especificar para quem deverão ser transferidos os dados ou bens virtuais;

Especificar quem e como vão ser geridos os bens digitais;

Detalhar os acessos e senhas das plataformas digitais;

Manifestar seu eventual desejo de não transferir os bens digitais a ninguém;

Manifestar seu eventual desejo de que os bens digitais sejam excluídos, removidos, transformados em memorial etc.

Note-se que algumas redes sociais dispõem de um testamento digital informal nas suas plataformas, através do qual podem fazer arranjos de última vontade relativamente à utilização das suas informações digitais após a sua morte.

Assim, além do testamento em modalidade comum, uma alternativa para garantir, em vida, a situação dos abandonados ou mesmo a destinação dos ativos digitais para os interessados, passa por a vontade informal digital em plataformas e cofres virtuais disponíveis.

Na ausência de testamento digital convencional ou informal que preveja a destinação dos ativos digitais, a alternativa é que os interessados recorram ao judiciário para requerer o direito aos ativos digitais do falecido. Com o avanço da era digital, a tendência é que cada vez mais pedidos desse estilo cheguem às mãos da justiça, para decidir qual será o destino do legado digital de alguém.

Texto por Dra. Paula Carolina Assunção, de Propriedade Intelectual na Arrighi Advogados e Associados.

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